Uma das formas de se sobressair numa crise é ajudar a criá-la. A princípio essa afirmação pode parecer estranha, mas não podemos nos esquecer que uma crise não nasce sozinha. Por detrás dela existem pessoas responsáveis por sua eclosão e por isso é muito comum que delas também surjam as soluções.
Embora existam crises geradas intencionalmente, uma crise sempre é resultado de negligência. Justamente aqueles que deveriam ter feito algo para preveni-las, são, de fato, aqueles que dispõem de informações suficientes para combatê-las.
Em outras palavras, não há qualquer coincidência no fato de que os "solucionadores" de uma crise sejam, explícita ou implicitamente, os mesmos personagens envolvidos durante todo o processo. Contudo, isso nem sempre é um dado relevante para quem é afetado. Em meio a uma crise, as pessoas tomadas pelo pânico ou pela raiva têm o seu discernimento significativamente afetado, a ponto de não se importarem de onde venha a solução.
Pressionados pelo nosso instinto de sobrevivência e com o discernimento fragilizado, muitas vezes permitimos concessões em territórios considerados sagrados, os quais, em circunstâncias normais, jamais estariam numa pauta de negociação.
Um bom exemplo está na política adotada pelo governo Bush após o atentado de 11/setembro. Sob a pressão do medo de novos ataques, o governo iniciou uma série de inserções na mídia conclamando a população a uma verdadeira caça aos terroristas.
Apoiado pelas grandes redes de TV que contribuíram com ampla repercussão, o ambiente tornou-se propício para que fossem tomadas medidas anti-terroristas inimagináveis.
Em meio ao clima de medo instalado e ao caos psicológico, o governo teve concedida uma autonomia para um novo "atentado", senão ainda maior, contra aquilo que os norte-americanos mais preservam em sua constituição: a "liberdade democrática".
Atordoada pelos acontecimentos, a população não se deu conta dos arranhões que essas medidas fizeram aos seus direitos constitucionais. Além disso, movida por esse clima doentio, parte dela não mediu as consequências ao apoiar a decisão do governo de, inclusive, invadir militarmente a outros países, seja por medo ou por revanche.
A crise provocada pelo episódio do 11/setembro é exemplar dentro do modelo que quero descrever e não menos exemplar foi a crise financeira global que surpreendeu o mundo em 2008. Charles Mackay, em seu conhecido livro "Extraordinary Popular Delusions and the Madness of Crowds", traça uma boa visão da psicologia das crises financeiras.
Segundo ele, "...a fase mais fascinante é o estado mental das pessoas que oscila entre uma euforia incontrolável durante o crescimento, e uma depressão mórbida durante a crise.".
A citação é interessante porque destaca a nebulosidade de nosso discernimento nos dois estados críticos, mesmo que um deles seja de "euforia". De fato, na crise global de 2008 foram necessários alguns meses para que o mundo ganhasse consciência de que os envolvidos na sua criação eram os mesmos que dispararam as primeiras medidas visando a solução. Além disso, ficou bem claro que muito do que foi concedido e feito pelos governos para amenizarem o impacto, contou com o apoio de uma parte expressiva da população, esta por estar receosa por consequências ainda maiores.
O que nos revelam as grandes crises não é diferente do que nos revelam as crises nas quais somos nós os protagonistas. Dentro de uma empresa ou dentro de nossa própria casa, as decisões e/ou atitudes negligentes sempre têm um preço a ser pago. Na maioria das vezes sequer imaginamos o alcance daquilo que fazemos por subestimar suas consequências. Por isso, é muito comum cometermos erros de avaliação primários e muitos desses nossos "pequenos" descuidos desencadeiam crises, cujas soluções requerem um desgaste ainda maior por afetarem o discernimento dos envolvidos.
Já ouvi muitas pessoas dizerem que as crises nos servem para aprendermos com elas,. Isso é um fato. Afinal, era só o que nos faltava se não aprendêssemos nada.
Contudo, o que se faz importante é termos em conta que muito do que nos afeta, ou afeta uma equipe de trabalho, ou mesmo um relacionamento, está declaradamente em nossas mãos. Quando aprendermos a estar atentos desde as nossas pequenas decisões, aí então estaremos preparados para as maiores. Com esse aprendizado, mesmo em crises onde não sejamos nós os protagonistas, estaremos em melhores condições de compreender e de discernir sobre o que é mais sensato apoiar ou sensato realizar.
Aprender e ensinar sobre a responsabilidade de fazermos bem aquilo que nos cabe pode fazer muito mais diferença do que possamos imaginar. Afinal, nenhum de nós hoje sabe a que serviremos como exemplos no futuro.
.